"custa-me imaginar que alguém possa um dia falar melhor de Fernando Pessoa que ele mesmo. pela simples razão de que foi Pessoa quem descobriu o modo de falar de si tomando-se sempre por um outro. E como os deuses lhe concederam um olhar imparcial como a neve, o retrato que nos devolve do fundo do seu próprio espelho brilha no escuro como uma lâmina"
«Eduardo Lourenço»

Heterónimos

"Sobre qualquer destes pus um profundo conceito de vida, diverso em todos três, mas em todos gravemente atento à importância misteriosa de existir"
«Fernando Pessoa»
"Através de Campos, de Reis, de Caeiro, Pessoa exorcizou os seus medos. Representou-os para deles se livrar."
(Teresa Rita Lopes, «Pessoa por Conhecer»

(DITADO PELO POETA NO DIA DA SUA MORTE)

"É TALVEZ o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
mas não o saudei, para lhe dizer adeus.
Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada."

Fernando Pessoa - uma autobiografia

FERNANDO PESSOA
Nome completo: Fernando António Nogueira de Seabra Pessoa.
Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.
Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto e Director-Geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral: misto de fidalgos e judeus.
Estado civil: Solteiro.
Profissão: A designação mais própria será "tradutor", a mais exacta a de "correspondente estrangeiro" em casas comerciais. O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.
Morada: Rua Coelho da Rocha, 16, 1º. Dto. Lisboa. (Endereço postal - Caixa Postal 147, Lisboa).
Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.
Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. É o seguinte o que, de livros ou folhetos, considera como válido: "35 Sonnets", 1918; "English Poems I-II" e "English Poems III" (em inglês também), 1922; livro "Mensagem", 1934, premiado pelo "Secretariado de Propaganda Nacional" na categoria Poema". O folheto "O Interregno", publicado em 1928 e constituído por uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.
Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o Comandante João Miguel Rosa, Cônsul de Portugal em Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o prémio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.
Ideologia Política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes, votaria, embora com pena, pela República. Conservador do estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reaccionário.
Posição religiosa: Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas e, sobretudo, à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.
Posição iniciática: Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.
Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda a infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: "Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação".
Posição social: Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.
Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.
Lisboa, 30 de Março de 1935 [em várias edições está 1933, por lapso]

Fonte: Cópia do original dactilografado e assinado existente na Colecção do Arquitecto Fernando Távora.